Em Goiânia tudo se desenhava para uma eleição com quatro mulheres, pela primeira vez na história, participando da disputa para o cargo majoritário da Prefeitura Municipal. Infelizmente, a força do conservadorismo, do machismo institucional e da misoginia política falou mais alto e por meio de golpes institucionais, somente duas mulheres disputarão a cadeira do Paço Municipal. É uma derrota incalculável para a participação das mulheres na política goiana e nacional.
Na capital, haviam quatro guerreiras pré-candidatas à prefeitura: Dra. Cristina (PL), Adriana Accorsi (PT), Maria Ester (Rede) e Manu Jacob (PSOL), que compunham um quadro histórico de participação das mulheres na política goiana. Enquanto Adriana Accorsi e Manu Jacob foram confirmadas por suas legendas e estão no páreo, Dra. Cristina e Maria Ester ficaram de fora por motivos um tanto diferentes e asquerosos: ambas sofreram duro golpe da política tradicional orientada pelo patriarcalismo.
Dra. Cristina não apenas foi importante pré-candidata pelo PL, ao qual se filiou com a garantia de que seria a candidata do partido, mas também foi confirmada na Convenção Partidária, organismo soberano das agremiações políticas, segundo a legislação eleitoral. Estando tudo certo para a inscrição de Dra. Cristina como candidata à prefeitura pelo PL, os Diretórios Municipal e Estadual da sigla, presidido por Flávio Canedo e Valdery Júnior, respectivamente, decidiram unilateralmente — e pelas costas dos filiados — por firmarem coligação com o MDB.
A manobra ardilosa consiste em um verdadeiro golpe institucional, que desconsidera a soberania das Convenções Partidárias, que são a instância reconhecida pela legislação com plena legitimidade para decidir as candidaturas e coligações dos partidos em período eleitoral. Pela jurisprudência sedimentada, a Convenção Partidária é tida não só como soberana, mas como instrumento que permite a expressão (verdadeira voz) da agremiação partidária. Essa violência política é carregado de tradicionalismo masculino e traz em suas entranhas o mais fétido machismo, que insiste, eleição após eleição, a ceifar a ascensão das mulheres aos cargos mais altos da política regional e nacional.
Com Maria Ester, a situação não foi tão diferente. Ela foi também confirmada como candidata na cabeça de chapa da Rede em Goiânia. Contudo, um dia antes do anúncio oficial da candidatura, o partido começou a se movimentar em sentido diferente, sugerindo que ela se candidatasse a vereadora em posição coletiva, argumentando que o partido não teria dinheiro para custear a campanha até o final. Sob esse espúrio argumento, decidiu apoiar a chapa do PSB. Tudo isso à revelia da postura e do desejo de Maria Ester, que havia decidido por ela própria bancar a sua candidatura, por meio de financiamentos coletivos, construindo coletivamente sua plataforma política.
Infelizmente, os casos de Dra. Cristina e Maria Ester não são isolados. Representam o mais alto grau do patriarcalismo que reina na política goiana e brasileira. No Brasil, das 5570 prefeituras, somente 641 são governadas por mulheres, o que representa 11,57% do total. Na Câmara Municipal, apenas 5 cadeiras são ocupadas por mulheres (Dra. Cristina é uma delas) em um universo de 35 vagas. Goiânia nunca foi administrada por uma mulher e tem uma política coronelista encrustada nos poderes municipais e estadual.
Os partidos políticos em Goiás — e em muitos lugares do Brasil — ainda carregam o ranço autoritário que jamais deveria ter existido e se comportam como verdadeiras dinastias. É um contrassenso que deve ser combatido, nos espaços que deveriam justamente primar e embasar a democracia e as práticas republicanas, igualitárias e inclusivas.
É preciso que as mulheres se organizem, façam barulho, denunciem esse tipo de golpe partidário! É necessário nos reunirmos em torno das candidaturas de mulheres para mudar a história política de nossas Cidades, Estados e País. As quotas de gênero são conquistas essenciais, mas não bastam para derrubar o patriarcado arraigado nas vísceras partidárias e políticas do nosso país. A rasteira na Cristina Lopes, além de tantas outras, não vai nos calar, e faremos história. Vamos às urnas!
*Nara Bueno é advogada especialista em Direito Eleitoral autora do livro Pequeno Manual das Mulheres no Poder — o que você precisa saber para participar da política brasileira