Os antigos moradores dos distritos atingidos pelo desastre ambiental em Mariana (MG) se dividem entre a tristeza e a sensação de pertencimento ao visitarem os locais da tragédia.
José do Nascimento de Jesus, conhecido como Zezinho do Bento, diz que só vai quando há necessidade. “Me recorda muito. É muito difícil ficar relembrando como era Bento Rodrigues”. Já Romeu Geraldo de Oliveira diz que, em Paracatu, ele está de fato em seu lugar. “Eu me sinto outra pessoa, mesmo vendo tudo destruído. Eu vou na minha casa e passa um filme na minha cabeça”, diz.
Mesmo após o reassentamento nos distritos reconstruídos, previsto para começar em 2020, os atingidos manterão a propriedade dos antigos terrenos, mas o que será feito do local onde um dia eles moraram ainda será debatido com a prefeitura e com o Conselho do Patrimônio de Mariana (Compat). As comunidades devastadas de Bento Rodrigues e Paracatu, atualmente, estão interditadas pela Defesa Civil. O acesso só é permitido com autorização. Os atingidos têm passe livre.
A Fundação Renova, criada para gerir o processo de reassentamento e as demais ações de reparação dos danos causados na tragédia, chegou a avaliar a possibilidade de estabelecer uma permuta entre os terrenos novos e antigos. O promotor do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Guilherme Meneghin, diz que já foi firmado um acordo judicial que afasta qualquer receio desta natureza.
“O fato do atingido receber um terreno no reassentamento não quer dizer que ele abre mão do terreno original, ainda que esteja em ruínas. Ele vai ser dono de duas propriedades. E quem vai decidir o que vai ser feito no antigo distrito são os próprios proprietários, junto com o município”, diz o promotor.
Há uma ideia, ainda incipiente, de se fazer um memorial no local, mas não há uma definição clara do que isso significa. Desde 2016, o Compat, que é composto por representantes da sociedade civil, dá andamento a um processo de tombamento. As prioridades dos atingidos – o reassentamento e a indenização – deixam a questão em segundo plano.
Até o momento, foram tombadas a Igreja de Nossa Senhora das Mercês, em Bento Rodrigues, e a Igreja de Santo Antônio, em Paracatu. “No caso das igrejas, temos apenas um proprietário a ser notificado, que é a Arquidiocese de Mariana. Para tombar um distrito inteiro, é um processo mais complexo que precisa de muita discussão. Demanda um inventário que relacione o que foi destruído, o que remanesceu. E precisa discutir o destino. Isso está caminhando”, conta Ana Cristina de Souza Maia, presidente do Compat.
De acordo com ela, mestrandos da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), coordenados pelo professor Leonardo Castriota, apresentaram uma proposta de tombamento. Além disso, a empresa Pólen, contratada pela comissão dos atingidos, fez um inventário dos bens culturais que existiam nos distritos. Também há um levantamento do patrimônio cultural realizado pela Fundação Renova. O Compat analisa os três documentos.
Zezinho do Bento tem receios com o tombamento. “Se futuramente acharmos coisas que nós perdemos, fica mais complicado para tirar. Vai precisar de autorização”, avalia. Para Ana Cristina, esse tipo de preocupação é natural, mas pode ser dissipada ao longo do processo. “É importante destacar que todo o limite, alcance e restrição do tombamento será definido pelo conselho a partir da oitiva dos atingidos”.
Ela explica ainda que o tombamento requer um dossiê que deverá ser produzido por uma empresa terceirizada contratada pelo Compat e apontar as diretrizes. “É um trabalho que envolve historiadores, museólogos, geógrafos, arquitetos, entre outros profissionais. Eles deverão conduzir um processo participativo”, acrescenta.
A discussão deverá envolver ainda o debate acerca da necessidade de preservação da história do rompimento da barragem. Há iniciativas semelhantes no mundo como o Memorial do Holocausto erguido em Berlim, na Alemanha, que busca lançar um alerta para que tragédia similar não se repita. Também com esse intuito, foi inaugurado, em agosto, no centro de Mariana, a Casa Jardim. Trata-se de um pequeno museu informativo e audiovisual cuja estruturação foi um dos compromissos assumidos pela Fundação Renova, entidade criada para reparar todos os danos causados.
No local, o visitante pode conhecer a história da mineração em Mariana, ouvir depoimentos de atingidos e ver um documentário sobre a tragédia. Os principais atrativos ficam por conta da maquete interativa que mostra o percurso da lama pela bacia do Rio Doce e da sala que projeta imagens da região nas quatro paredes. A Casa Jardim tem recebido uma média de 300 visitantes por mês, incluindo estudantes que vão ao local em excursões organizadas pelas escolas da região.
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