Em ano eleitoral existem diversas condutas vedadas aos agentes públicos, proibindo determinadas ações que teriam a capacidade de interferir no equilíbrio das eleições e configurariam evidente abuso de poder político e econômico. As medidas proibitivas presentes tanto na esfera constitucional quanto infraconstitucional ganham uma importância especial no período de pandemia e calamidade pública como o que estamos atravessando.
Nossa Constituição da República veda a qualquer época a publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos ligadas às figuras pessoais dos agentes públicos, sendo estas restritas ao seu caráter educativo e informativo, resguardando a impessoalidade. Tal vedação, no entanto, tem importância redobrada em ano eleitoral, já que caracteriza flagrante abuso de poder político e econômico e fere gravemente a liberdade de escolha da população ao quebrar o equilíbrio entre os candidatos.
Já a Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) veda a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios que não sejam de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício (ano) anterior. A lei proíbe ainda a execução de programas sociais por entidade nominalmente vinculada a candidato, além do uso abusivo de matérias e serviços públicos, entre diversas vedações taxativas.
A inobservância das vedações deve acarretar em multa, além da cassação do registro ou do diploma e inelegibilidade. Vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou que as hipóteses de condutas vedadas pela Lei das Eleições são de natureza objetiva e, portanto, a mera prática dos atos vedados caracteriza ilícito independente dos resultados de sua prática.
Ocorre que a própria Lei 9.504/1997 excetua as vedações em casos de calamidade pública e cria um limiar difícil para o atual momento da mais grave pandemia já vivida na história da nossa República. Desde o início da pandemia, por exemplo, foi noticiada a distribuição de cestas básicas quase indiscriminadamente em diversos municípios, além de equipamentos de proteção e higiene pessoal, que visam minorar o alcance do vírus e os efeitos causados na população como um todo. E qual o limite entre a vedação legal ao agente público e as necessidades básicas da população em momentos tão difíceis?
Ora, não tem uma resposta única e o tema é um tanto inédito. Entendemos que a vida da população e a proteção da saúde pública são os bens primeiros a serem defendidos em tempos como o atual, mas isso não pode servir jamais para a prática de ilícitos administrativos. Se bem é verdade que sobram exemplos de doações massivas de alimentos e equipamentos de proteção para a população, sobram também notícias de superfaturamento, corrupção e práticas criminosas por parte de governantes país afora na compra de equipamentos de saúde durante a pandemia.
Para evitar que uma necessidade real assole a população, o poder público não deve medir esforços. Contudo, pensamos que é essencial um controle legislativo da situação de emergência, evitando que atos de tamanha importância sejam tomadas com exclusividade pelo poder executivo. Os benefícios criados para minorar a penúria da população neste momento, devem atender a critérios bem estabelecidos e verificáveis. Além de aumentar o controle externo do poder judiciário e dos tribunais de contas de todos os entes federados.
Fica claro que a situação é de extrema cautela e exige um controle diagonal entre os poderes. Os agentes públicos e futuros candidatos devem receber uma orientação jurídica profissional e devem estar atentos para não incorrer em ilícitos e poderem perder futuramente seus diplomas ou cargos em virtudes de excessos no atual momento. Os esforços para proteger a população não devem ser poupados, mas isso não deve dar ensejo ao abuso do poder econômico e político.
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