Desde 2020, 206 vereadores perderam mandatos por fraude em cota de gênero

Partidos devem atentar para participação de mulheres, com reserva de 30% das vagas nas chapas de vereadores para candidatos de cada sexo, mais conhecida como “cota de gênero”

27 de fevereiro de 2024 às 16:12

Foto: Divulgação

A menos de um mês da abertura da janela para a mudança de partidos, visando a composição das chapas que concorrerão nas eleições municipais deste ano, as negociações entre líderes partidários e potenciais candidatos estão a pleno vapor. Este momento é crucial para garantir o cumprimento das exigências da legislação eleitoral, especialmente a reserva de 30% das candidaturas nas chapas de vereadores para cada sexo, popularmente conhecida como “cota de gênero” ou “cota para mulheres”. O alerta é dado por Wandir Allan de Oliveira, advogado especializado em direito eleitoral, conselheiro da OAB-GO e presidente da Comissão Especial de Conformidade Eleitoral da OAB nacional.

De acordo com dados do TSE, desde as eleições municipais de 2020, 206 vereadores foram destituídos de seus cargos por violarem a cota de gênero. Essas decisões afetaram 23 câmaras municipais, incluindo a de Goiânia, que precisaram substituir cerca de um quarto de seus membros devido à tentativa de contornar a exigência legal. Foram registradas pelo menos 38 decisões que resultaram na cassação de eleitos por partidos que, comprovadamente, desrespeitaram a cota de gênero.

“Existe uma obrigação legal. A Lei das Eleições estabelece que os partidos políticos devem reservar no mínimo 30% das candidaturas em cada chapa para cada sexo”, destaca o advogado. Assim, ao formar uma chapa, o partido deve reservar pelo menos 30% das candidaturas para mulheres. “É crucial respeitar essa proporção. Alguns partidos, devido ao baixo investimento na promoção da participação feminina no processo eleitoral, acabam recorrendo a qualquer pessoa apenas para cumprir formalmente a exigência da lei, mas a jurisprudência considera isso uma fraude à lei por meio de subterfúgios”, resume Wandir Allan.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem adotado uma postura cada vez mais rígida em relação a esses casos, observa o conselheiro. “Anteriormente, era necessário provar de forma inequívoca os fatos, quase exigindo uma confissão. Hoje em dia, a mera existência de candidatas com votação zero ou insignificante, uniformidade na prestação de contas e ausência de atividades de campanha já configura violação”, contrapõe. E o ônus de provar que não houve tentativa de fraude recai sobre os partidos políticos.

“Fingir que estão cumprindo a exigência não é mais uma opção viável para os líderes partidários. O tempo do ‘faz-de-conta’ acabou”, enfatiza Wandir Allan. Neste período pré-eleitoral, ele acrescenta, é essencial investir em educação, esclarecimento e apoio para candidaturas, o que reduz significativamente os riscos. “Um dos problemas é a formação de chapas de última hora por parte de partidos políticos mal estruturados às vésperas das eleições”, observa. O objetivo da Justiça Eleitoral é garantir a reserva de assentos, não apenas de candidaturas. “Isso é uma tendência para um futuro próximo, seguindo o modelo adotado na Argentina”, acredita Wandir Allan.

A construção dessa jurisprudência começou em 2016 no Tribunal Superior Eleitoral, com o julgamento de um caso em Picos, no Piauí, cujo desfecho permitiu questionar essas situações por meio de dois tipos de ações judiciais: ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) e ação de impugnação de mandato eletivo (AIME). A conformidade com essas exigências é verificada na análise das demonstrações de regularidade dos atos partidários (DRAPs), que reúnem toda a documentação para análise.

No julgamento em Picos (PI), que teve como relator o ex-ministro Henrique Neves, foi considerada fraude à lei, passível de questionamento em ações judiciais. “Desde então, temos visto um aumento nas cassações de chapas que não cumprem as exigências da Lei das Eleições”, afirma Wandir Allan, destacando que em Goiás o primeiro caso foi em Gouvelândia, na região Sudoeste, onde foram lançadas candidatas parentes de candidatos homens que efetivamente concorreram. “Desde então, houve inúmeros casos, sendo o mais emblemático o da Câmara de Goiânia, onde quatro chapas foram cassadas”, exemplifica.

Tags: