O crescente aumento da poluição do meio ambiente pelo plástico indica a necessidade de uma legislação nacional sobre o tema. A conclusão é de estudo de autoria do consultor legislativo do Senado Joaquim Maia Neto — Contribuições do Poder Legislativo no Combate à Poluição Causada por Plástico. De acordo com o consultor, além de garantir maior proteção ambiental, uma lei nacional traria uma uniformidade desejável e seria indutora de investimentos na produção de materiais sustentáveis.
O estudo aborda as iniciativas legislativas sobre o tema no âmbito da União, as dificuldades políticas, técnicas e operacionais ao enfrentamento do desafio de redução do consumo e da produção de plástico, bem como as experiências internacionais e de entes federativos brasileiros.
O plástico tem uma grande permanência no ambiente. Sua produção em massa, a partir da década de 1940, levou a uma quantidade imensa desse material na natureza, visto que o produto não se degrada, o que facilita o acúmulo de resíduos sólidos e o crescente aumento de lixo marinho, com graves consequências para a fauna. O lixo acumulado na praia ou na superfície do mar representa apenas 1% do plástico que é despejado nos oceanos, porque quase tudo fica concentrado a centenas de metros de profundidade.
A poluição causada pelo plástico compromete a sobrevivência de mais de 800 espécies marinhas, 15 das quais já se encontram ameaçadas. A cada ano, cerca de 8 milhões de toneladas de plástico acabam no oceano, o que equivale a um caminhão de lixo cheio desse produto jogado no mar a cada minuto. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), já contêm plástico entre 60 a 90% da areia que se acumula nas linhas costeiras, a superfície e o fundo do mar. Os itens mais comuns são bitucas de cigarro, sacolas e recipientes de alimentos e bebidas.
“O plástico, no ambiente marinho, sofre ações do meio (radiação solar, variação térmica, diferentes níveis de oxigênio, energia das ondas e presença de fatores abrasivos, como areia, cascalho ou rocha), fica fragmentado e passa a ter aparência de alimento para muitos animais, causando-lhes a morte e interferindo no ciclo reprodutivo de muitas espécies. Uma transição para um novo modelo de consumo, que reduza significativamente o impacto ambiental dos resíduos gerados, é urgente. Nesse cenário, o plástico de uso único é um dos grandes vilões da contaminação ambiental, principalmente das águas, mas é possível produzi-lo agredindo bem menos o meio ambiente”, observa Joaquim Maia Neto em seu estudo.
O plástico consumido por espécies marinhas também entra na cadeia alimentar humana através do consumo de peixes. Nos últimos 20 anos, a proliferação de microplásticos, microesferas e plásticos descartáveis evidenciaram esse problema. A poluição ambiental também foi agravada pela pandemia do coronavírus, que gerou 52 mil toneladas de resíduos médicos entre abril de 2020 e março de 2021, de acordo com a Campanha Mares Limpos, da Organização das Nações Unidas (ONU). Outro dado torna o cenário mais turvo: uma máscara cirúrgica, dessas comumente usadas para se proteger da covid-19, leva até 450 anos para se degradar.
A geração de resíduos sólidos é apenas uma parte do problema causado pelo plástico. A principal matéria-prima para a confecção das embalagens e utensílios descartáveis é o petróleo, e o seu processo de produção é intensivo na emissão de gases de efeito estufa (GEE), explica o estudo de Joaquim Maia Neto.
“Se o plástico é produzido a partir do petróleo — o que corresponde a mais de 90% do total —, problemas decorrem, também, de seu processo de fabricação. Os impactos das refinarias vão desde as consequências dos estudos sísmicos realizados na etapa de exploração até o consumo de grandes quantidades de água e de energia, geração de vultosas quantidades de despejo líquido, liberação de diversos gases nocivos na atmosfera (como os policíclicos aromáticos), produção de resíduos sólidos de difícil tratamento, além dos frequentes vazamentos de petróleo em ambiente marinho, como ocorreu com a British Petrolium (BP), nos Estados Unidos, e com a Chevron Brasil, no estado do Rio de Janeiro”.
Entre 1995 e 2019 foram apresentados no Congresso Nacional 135 projetos de lei com o tema “plástico”. Atualmente, na Câmara tramitam 62 propostas apensadas ao Projeto de Lei (PL) 612/2007, de autoria do deputado Flávio Bezerra (PMDB-CE), que dispõe sobre o uso de sacolas plásticas biodegradáveis para acondicionamento de produtos e mercadorias a serem utilizadas nos estabelecimentos comerciais em todo território nacional. Todos os demais projetos versam sobre banimento ou limitações ao uso e comercialização de plásticos, com variados graus de restrições e com foco em distintos produtos e matérias primas. No Senado, tramitam sete projetos com objetivos semelhantes.
O estudo revela que as dificuldades fáticas e técnicas para a implementação de uma legislação que leve ao banimento ou drástica redução do plástico descartável não sustentável estão relacionadas com o custo de substituição por uma matéria prima que ainda é mais cara, e também com o desenvolvimento de tecnologia compatível dos plásticos biodegradáveis e as diversas aplicações atuais dos polímeros petroquímicos.
“Entendemos que essas dificuldades podem ser superadas inicialmente com um período de transição razoável, a exemplo do que propõe o PLS 92/2018, e de como ocorre na maior parte dos países que resolveram enfrentar o problema da poluição por plásticos. O PLS 92/2018 propõe um período de dez anos para a substituição gradual do plástico petroquímico pelo biodegradável, com aumento, a cada dois anos, do percentual de matéria prima biodegradável exigida nos produtos, até que se chegue, ao final do período, a 100%. Ademais, as diversas iniciativas pelo mundo no mesmo sentido do que ora discutimos têm gerado um ganho de escala e uma consequente redução de custos, assim como o rápido avanço tecnológico, ou seja, o cenário aponta para uma considerável redução das dificuldades nessa seara”, ressalta o estudo.
De autoria da senadora Rose de Freitas (MDB-ES), o PLS 92/2018 torna obrigatória a utilização de materiais biodegradáveis na composição de utensílios descartáveis destinados ao acondicionamento e ao manejo de alimentos prontos para o consumo. O texto propõe um cronograma de dez anos para a redução gradual, até o banimento, de matéria prima não biodegradável nos utensílios plásticos. O projeto foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) e deve ser analisado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) em deliberação terminativa, na qual foi designado como relator o senador Eduardo Braga (MDB-AM).
“Consideramos que não seria conveniente a apresentação de novas proposições sobre esse assunto, já que, apenas no Senado, existem sete iniciativas que tratam de restrições ao uso de plásticos de uso único e de microplásticos. Há de se reconhecer que nenhuma das proposições em trâmite tem a abrangência ampla que se faz necessária para o enfrentamento do problema da poluição por plásticos. O projeto mais abrangente, mas que ainda carece de complementação, é o PLS nº 92, de 2018. Recomendamos que esse projeto seja apensado aos outros seis para tramitação conjunta e que seja elaborado um substitutivo que agregue as contribuições de cada um deles naquilo que forem viáveis, além de aperfeiçoamentos que incorporem aspectos interessantes da legislação internacional, especialmente da diretiva europeia”, afirma em seu estudo o consultor do Senado.
Autora do PL 92/2018, a senadora Rose de Freitas destaca que o isolamento social causado pela pandemia, com o consequente aumento dos serviços de entrega de alimentos, ampliou no país o número de embalagens e utensílios descartáveis de plástico.
De acordo com a senadora, o Atlas do Lixo, da Fundação Heinrich Böll, estima que em 2018 — ou seja, muito antes da pandemia — o Brasil produzia pouco mais de 11 milhões de toneladas de lixo plástico, quase 14% de todo o lixo do país. Ao contrário das latas de alumínio, das quais quase 98% delas são recicladas no Brasil, a reciclagem do plástico no país chega a irrisório 1,28%, contra uma média global de 9%, sendo de quase 35% nos Estados Unidos, observa Rose de Freitas.
— Devemos fazer como a França,, que em 2016 editou legislação determinando a obrigatoriedade do uso de materiais biodegradáveis na produção de utensílios descartáveis. Nossa iniciativa fixa um escalonamento de até dez anos, a partir do início da vigência da lei, para a completa eliminação do plástico não biodegradável. É um prazo bastante razoável para que a indústria se adapte, não haverá impacto econômico negativo na produção. Os mares brasileiros, que recebem entre 70 mil e 190 mil toneladas de lixo anualmente, despejado pela população que vive no litoral, terão melhores condições de sobrevivência. Nossos netos e bisnetos também agradecem — ressalta Rose de Freitas.
Em junho, a pedido do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), foi realizada audiência pública remota para debater a poluição por plásticos descartáveis. No debate — que integrou a Campanha Junho Verde e pode resultar na apresentação de novos projetos para tentar reduzir o problema —, representantes de organizações não-governamentais e da indústria apontaram que o aumento da concentração de lixo em praias pode levar a uma perda anual entre US$ 880 mil e US$ 8,5 milhões aos municípios litorâneos, fora o impacto ambiental das comunidades pesqueiras e que utilizam as praias como meio de vida. As empresas também devem repensar o tipo de plástico produzido, visto que muitos tipos são recicláveis, mas não têm o potencial de reciclabilidade necessário para ser vendido por catadores ou retornar à cadeia produtiva, apontaram os debatedores.
Fonte: Agência Senado
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