Sem previsão legal, prática é discutida pelo Tribunal Superior Eleitoral, que pode definir novas regras já para as próximas eleições
Ter nacionalidade brasileira, idade mínima conforme o cargo pretendido, alistamento e domicílio eleitoral na circunscrição, além de filiação partidária são os requisitos básicos previstos na Constituição Federal de 1988 para que as pessoas possam se candidatar e disputar as eleições no Brasil. No entanto, ao longo dos anos, foram definidas uma série de regras destinadas aos candidatos e políticos já eleitos que devem ser cumpridas, sob pena de serem questionados pela Justiça Eleitoral.
Recentemente surgiram discussões e julgamentos relacionados a uma prática chamada de “abuso de poder religioso”. De acordo com o advogado Leon Safatle, especialista em Direito Eleitoral, apesar de alguns políticos já terem sido denunciados e até condenados por esse motivo, não existe previsão legal que defina os critérios que podem configurar a prática de abuso de poder religioso. “Esse tipo de denúncia e ações acontecem há alguns anos, mas não há jurisprudência forte no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Existe apenas jurisprudência de tribunais regionais”, explica Satafle.
Conforme o advogado, a possibilidade de condenação por abuso de poder religioso pode até ocorrer, mas apenas nos tribunais regionais. Quando o assunto é levado ao TSE, existe possibilidade de reverter o julgamento, uma vez que o entendimento dos ministros não está definido e não há um consenso. Porém, quando a denúncia associa o abuso de poder religioso a outras práticas – já proibidas – como o abuso de poder econômico e político, o processo ganha mais peso. “Neste caso, quando é associado ao uso da estrutura da igreja, do dinheiro da igreja para financiamento da campanha, quando fazem eventos muito grandes e que chamam muita atenção usando os recursos da igreja, isso pode agravar a situação porque são as hipóteses de abuso de poder eleitoral que estão, de fato, na lei, como o abuso de poder econômico e de poder político”, ressalta Leon Safatle.
Diante disso, há a expectativa, de acordo com o advogado, de que o TSE fixem exatamente quais as recomendações aos candidatos. “O ministro Edson Fachin já propôs que o Tribunal estabeleça o entendimento para aplicação já a partir da próxima eleição, em 2020, fixando o abuso de poder religioso como uma tese realmente capaz de caçar mandatos e candidaturas”, afirma. Essas medidas poderiam causar, ainda segundo Safatle, prejuízos aos candidatos que são líderes religiosos. “Com certeza geraria grande risco porque essas pessoas fazem campanha no meio social delas. Como imaginar que o líder religioso vai fazer campanha em outro local e em outra situação, se ele representa aquela sociedade e o contexto que ele vive?”, questiona.
Para evitar futuros processos, o advogado traça algumas orientações aos candidatos. “Até que haja uma definição, é importante tomar algumas precauções, sobretudo também não confundir ou utilizar da igreja, seja de forma física ou financeira, para que não se incorra na hipótese típica de abuso de poder econômico”, reitera. Leon Safatle ainda recomenda que os candidatos não façam atos de campanha dentro de igrejas e templos durante as celebrações e cultos, e que não distribuam materiais gráficos, como santinhos, próximos ao tempo.
A Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure) recomenda que os candidatos se atentem ao cumprimento da lei. Ou seja, o que já é proibido pela legislação eleitoral, como fazer propagandas dentro de templos, principalmente no momento em que estiver no púlpito, e utilizar os canais de comunicação da entidade religiosa para divulgação de candidatos, deve ser respeitado. No entanto, a Anajure vê com preocupação a possibilidade do TSE fixar a tese de abuso de poder de autoridade religiosa.
Na opinião de Acyr de Gerone, diretor jurídico da Anajure, de toda forma, os líderes religiosos podem continuar utilizando a pregação evangélica para debater e refletir sobre diversos assuntos, por exemplo, as ideologias postas à sociedade, os valores da entidade religiosa, entre outros. “Tolher esse debate seria também tolher a liberdade religiosa, o que não pode ocorrer.” O diretor jurídico ainda evidencia que cerca de 30% da população brasileira é evangélica e, se somando aos católicos, a estimativa é de 80% da sociedade seja cristã. “E não há 80% de representação dessa parte da sociedade. Os evangélicos, que são chamados de fundamentalistas, conservadores, não têm o quantitativo de representatividade nas casas legislativas”, pontuou Acyr de Gerone.
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